Luiz Antônio Müller Marques *
Nos últimos meses, uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe à tona a discussão sobre a estabilidade dos servidores públicos no Brasil. Após décadas de tramitação, o STF decidiu que União, Estados e Municípios não precisam mais instituir regimes jurídicos únicos para seus servidores, o que abriu espaço para uma análise ampla sobre a estabilidade no funcionalismo.
Recentemente, a Folha de São Paulo publicou uma matéria comparativa entre o regime de estabilidade do serviço público brasileiro e o de outros países, especialmente na Europa. Segundo o jornal, enquanto no Brasil mais de 65% dos servidores têm estabilidade, em alguns países europeus essa porcentagem é inferior a 1%. Além disso, a análise comparou o impacto financeiro do setor público nas economias locais.
O jornal apontou que, no Brasil, a estabilidade protege tanto carreiras "típicas de Estado", como juízes e policiais federais, quanto profissionais de áreas amplamente encontradas no setor privado, como professores, enfermeiros e administrativos. A matéria concluiu que esse modelo seria prejudicial ao desenvolvimento nacional e que, por isso, deveria haver uma revisão das garantias legais oferecidas aos servidores.
No entanto, a análise da Folha parece desconsiderar contextos e desafios específicos do Brasil. Comparar diferentes países exige examinar as realidades sociais e históricas que justificam as proteções para servidores públicos. Em países como Noruega ou Suécia, dificilmente os servidores enfrentam pressões como as típicas frases brasileiras “sabe com quem está falando?” ou “sabe de quem eu sou amigo?”. Além disso, é menos comum que ocupantes de cargos de liderança sejam nomeados por alianças políticas, o que reduz as chances de arbitrariedades.
No Brasil, a estabilidade é uma salvaguarda para que servidores possam resistir a pressões políticas e represálias arbitrárias. Sem essa proteção, é questionável como servidores reagiriam a ordens questionáveis ou ameaças veladas. Por outro lado, as indicações políticas e a rotatividade em cargos de confiança, especialmente em períodos eleitorais, são uma realidade nacional. Em cenários sem estabilidade, como garantir que prefeitos ou governadores não demitiriam em massa para contratar aliados políticos?
A matéria do jornal também não considerou fatores como assédio moral e sexual, que são questões graves no ambiente de trabalho brasileiro. Comparações de denúncias entre o Brasil e países europeus poderiam oferecer um contexto mais completo. A estabilidade, nesses casos, oferece aos servidores maior segurança para denunciar práticas abusivas, ajudando a combater um problema que, infelizmente, ainda é recorrente no país.
A estabilidade dos servidores públicos não foi concedida aleatoriamente, mas conquistada após décadas de luta contra abusos e excessos. Ela representa, acima de tudo, uma proteção ao contribuinte, que depende de um serviço público eficiente e imparcial. No contexto atual, discutir melhorias no funcionalismo é válido, mas ignorar as razões históricas e os desafios da realidade brasileira pode resultar em retrocessos.
Fonte: Wagner Advogados Associados