Foram registrados casos de prefeitos, secretários e até diretores de hospitais que usaram da influência para coagir funcionários
Ao menos 413 casos de assédio eleitoral foram denunciados ao MPT (Ministério Público do Trabalho) nas eleições deste ano. Dentre as denúncias mapeadas até a última segunda-feira (23), cerca de 54% eram relacionadas a órgãos públicos e 46% a empresas privadas.
Foram registrados casos de prefeitos, secretários e até diretores de hospitais e escolas que utilizaram de sua influência para coagir funcionários terceirizados ou comissionados a participar de eventos, passeatas, comícios, assim como o pedido explícito pelo voto em determinado candidato.
O número de denúncias é inferior ao da eleição de 2022, quando 3.606 casos de assédio eleitoral foram denunciados em meio a um clima de acirramento político e episódios de violência.
A tendência é que o número de denúncias cresça nos próximos dias, na medida em que a eleição se aproxima. Mas, ao contrário de 2022, há uma expectativa de desaceleração no segundo turno, uma vez que na maioria dos municípios os eleitores votam apenas uma vez.
A região com maior número de denúncias é o Nordeste – foram 120 denúncias, das quais 80 são relacionadas à administração pública. Nos estados do Sul, Sudeste e Centro-oeste, há prevalência de assédio de empresas. Dentre os estados, a Bahia lidera com 64 casos, seguida de São Paulo com 55 e Paraíba com 26.
Em agosto, a gestão do prefeito de São Paulo e candidato à reeleição Ricardo Nunes (MDB) se tornou alvo de investigação do MPT após relatos de servidores municipais convocados a participar de atos da campanha.
Mensagens de texto foram enviadas por integrantes de cargos de diretoria e gerência na Prefeitura de São Paulo a subordinados com questionamento sobre a participação em reunião promovida por partido aliado.
Em nota divulgada na época, a gestão Nunes afirmou não autorizar uso da prefeitura para fins eleitorais e que a participação de servidores deve ocorrer fora do horário de trabalho, conforme legislação.
Na Bahia, o MPT instaurou inquérito para investigar prefeituras como a de Juazeiro (510 km de Salvador) e emitiu recomendações de medidas para combater o assédio eleitoral a servidores e terceirizados do município.
A gestão da prefeita Suzana Ramos (PSDB) foi alvo de denúncia de professores, que alegaram estar sendo coagidos a participar de atos de campanha e comprovar engajamento por meio de fotos.
A prefeitura de Juazeiro informou que não concorda com assédio eleitoral e não há nenhum tipo de ordem, cobrança ou obrigatoriedade para a participação em eventos de campanha. "Qualquer situação semelhante a essa natureza é de iniciativa pessoal e não por parte da instituição, que respeita a democracia", informou.
Em Cerro Grande do Sul, cidade de 9,1 mil habitantes do Rio Grande do Sul, o prefeito Gilmar João Alba (PSDB) publicou vídeo em uma rede social com ameaça a servidores que apoiassem seus adversários políticos.
"Os bons funcionários vão continuar trabalhando. E os que querem mamar vão ser congelados, mesmo concursado. Vão trabalhar sem hora extra e sem nada. Querem apoiar o adversário? Comecem agora", afirmou. Semanas depois, ele firmou um Termo de Ajuste de Conduta no qual se compromete a não constranger e intimidar os servidores.
Também foram registrados casos de assédios cometidos por empresas, sobretudo em cidades pequenas e com maior vulnerabilidade social.
Em Jardim de Piranhas (305 km de Natal), o empresário Kaio Dutra, proprietário de uma confecção de peças íntimas masculinas, foi denunciado por supostamente coagir seus funcionários a gravarem vídeos declarando voto em um candidato a prefeito e outro a vereador.
Os vídeos foram divulgados em redes sociais e se espalharam de forma rápida em grupos de aplicativos de mensagens da cidade. O Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte firmou um acordo com o empresário, que excluiu as postagens e fez uma retratação. Ele será multado em caso de reincidência.
"É um tipo de conduta que é perigosa porque ofende liberdade de voto, o pluralismo politico e a própria dignidade dos trabalhadores. O trabalhador fica em uma situação de vulnerabilidade e geralmente acaba se submetendo", afirma a procuradora do Trabalho Christiane Alli Fernandes, responsável pelo acordo.
Para além das ameaças ou constrangimento, até mesmo convites para que um determinado candidato vá a uma empresa para conversar com trabalhadores pode se configurar como assédio eleitoral —levar itens, como santinhos ou outras formas de apoio, também é vedado.
Na avaliação do procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, os casos de assédio eleitoral se tornaram mais velados nas eleições deste ano. Se em 2022 houve uma explosão de vídeos de empregadores coagindo funcionários, hoje há uma preocupação maior em não fornecer prova contra si.
"Hoje, as conversas são mais individuais, mas também com uso das redes sociais, como gravações de mensagem em apoio ou convites mais efusivos de participação em eventos. Recebemos denúncias de órgãos que já substituem seus funcionários por conta da declaração de voto para a eleição de 2026", afirma o procurador.
Fonte: Folha de São Paulo