A 17ª Vara Federal de Porto Alegre garantiu que uma menina autista receba o Benefício de Prestação Continuada (BPC) mesmo que a renda familiar per capita seja superior a ¼ do salário mínimo. Na sentença, publicada ontem (10/12), a juíza Sophia Bomfim de Carvalho aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero e considerou a condição de família monoparental, chefiada pela mãe, que possui pouca instrução escolar e é jovem.
A genitora, representando a filha menor, ingressou com a ação o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) narrando que teve o pedido de benefício assistencial negado. Ela narrou que menina tem sete anos e possui diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, necessitando de acompanhamento com equipe multidisciplinar. Pontuou ainda que tem mais um filho de nove anos.
Ao analisar o caso, a magistrada pontuou que o BPC possui dois requisitos. O primeiro é pessoal: ter mais de 65 anos de idade ou ser pessoa com deficiência. O outro é socioeconômico: não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. Aqui, segundo ela, a lei prevê renda familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo, mas esse critério não é absoluto.
“Desse modo, se a renda per capita for inferior a 1/4 do salário mínimo, há, em princípio, direito subjetivo ao benefício, ressalvadas situações excepcionalíssimas de prova indubitável de desnecessidade. Caso a renda seja superior, necessária a demonstração da condição de miserabilidade”.
Carvalho ressaltou que a perícia médica judicial reconheceu que a menina é pessoa com deficiência. “O autismo é considerado deficiência por força da Lei nº 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”. Assim, estaria preenchido o primeiro requisito para concessão do Benefício de Prestação Continuada.
A juíza passou então a avaliar o requisito econômico, ressaltando que renda per capita não é um critério absoluto e que a lei permite que se considere outros elementos probatórios de miserabilidade e vulnerabilidade do grupo familiar. Ao observar o laudo da perícia socioeconômica, ela afirmou que ele trouxe constatações que apontam para a necessidade de aplicar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça.
De acordo com a magistrada, o perito assistente social apontou que a genitora é mãe solo, única responsável por dois filhos menores, teve a filha com 20 anos e não concluiu o ensino médio. A menina não teve a paternidade reconhecida e o pai do menino é ausente e não ajuda em qualquer despesa.
“Quanto ao ponto, importante registrar que mães solo enfrentam sobrecarga de trabalho de cuidado, já que são as únicas responsáveis pela criação e sustento de seus filhos. Em razão de tal sobrecarga, não têm oportunidade de melhorar sua qualificação profissional, circunstância que as leva, em regra, à situação de vulnerabilidade social e econômica”.
Carvalho ainda destacou que “ a necessidade de acompanhamento e tratamento permanente de crianças diagnosticadas com transtorno do espectro autista demanda cuidados e gastos contínuos aos seus genitores, comprometendo as possibilidades de capacitação profissional destes, levando-os à realização de atividades laborativas de baixa remuneração, afetando a renda familiar”.
Ela sublinhou que os laudos indicaram que a menina sofre atraso de desenvolvimento comparado com o esperado para sua faixa etária, como usar fraldas e precisar de auxílio para banho, o que exige assistência e tratamento permanentes, incluindo a contratação de uma cuidadora. “Ainda que a menor faça tratamento médico junto ao SUS, fica claro que as despesas decorrentes de sua enfermidade comprometem os rendimentos do núcleo familiar, levando-o à inegável situação de vulnerabilidade e miserabilidade”.
Assim, para a juíza, ficou comprovado também o preenchimento do requisito socioeconômico. Ela julgou procedente a ação condenando o INSS a conceder o benefício assistencial desde agosto de 2023, pagando as prestações vencidas. Cabe recurso às Turmas Recursais.
Fonte: TRF 4ª Região