Um pedido de destaque do ministro Luiz Edson Fachin interrompeu, nesta terça-feira (3/12), o julgamento em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal discute se órgãos dos governos estaduais precisam seguir as normas de saúde, higiene e segurança do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e se a Justiça do Trabalho tem ou não competência para julgar processos sobre a aplicação de tais normas ao ambiente de trabalho dos servidores públicos.
Com isso, a análise do caso será reiniciada em sessão presencial, ainda sem data marcada. Antes do pedido de destaque, o julgamento era virtual, com término previsto para a próxima sexta-feira (6/12). Até então, três ministros haviam se manifestado.
Flávio Dino, relator do caso, concluiu que as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho devem ser seguidas por todos os entes federativos, para qualquer vínculo jurídico — celetistas, efetivos, comissionados, terceirizados, etc.
O ministro também defendeu a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações civis públicas (ACPs) propostas contra o poder público sobre essas normas. Já casos sobre direitos individuais dos servidores, para ele, devem ser julgados pela Justiça comum, ainda que sejam decorrentes das condições de trabalho.
Por outro lado, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes entenderam que as normas regulamentadoras (NRs) do MTE só devem ser aplicadas aos servidores públicos se não houver regras específicas no respectivo estatuto jurídico. Em caso de conflito entre as NRs e as regras do estatuto jurídico dos servidores, eles propuseram a aplicação destas últimas.
Por fim, a dupla defendeu a competência da Justiça comum para julgar ações sobre normas de saúde, higiene e segurança do trabalho quando a administração pública estiver envolvida, mesmo quando as regras estabelecidas pelo governo federal sejam aplicáveis.
Contexto
O MTE tem diversas NRs que tratam, por exemplo, de condições sanitárias dos locais de trabalho, instalações e serviços de eletricidade, ergonomia, proteção contra incêndios, gerenciamento de riscos ocupacionais, edifícios, prevenção de riscos ambientais, sinalização e identificação de segurança, etc.
No último ano, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), acionou o STF e argumentou que as normas de saúde e segurança do MTE não se aplicam às relações entre a administração pública estadual e seus servidores, pois são destinadas apenas aos empregados celetistas.
Casagrande também apontou a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar ações sobre condições de saúde e segurança de ambientes onde servidores públicos estaduais trabalhem. Segundo ele, regras da CLT não podem ser aplicadas a servidores estatutários.
O governador alegou que a Justiça do Trabalho vem causando prejuízos para os cofres públicos estaduais ao aplicar as NRs do MTE aos servidores capixabas. As decisões estipulam o pagamento de indenizações por danos morais coletivos e multas por descumprimento.
Voto do relator
Dino explicou que as normas de saúde e segurança do trabalho buscam proteger a integridade de um “grupo indeterminado de pessoas expostas a condições de trabalho semelhantes”. Segundo ele, não importa se esses trabalhadores são celetistas, terceirizados, autônomos, servidores públicos ou de outro vínculo jurídico: todos estão expostos aos mesmos fatores de risco e, por isso, estão sujeitos ao mesmo “regime protetivo”.
Ou seja, não existe ambiente “próprio e específico” dos servidores públicos. Para o magistrado, se o ambiente é o mesmo, “não faz sentido fragmentar as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho”. Isso violaria a isonomia e causaria insegurança jurídica.
O ministro destacou que as NRs do MTE se limitam a padronizar normas técnicas especializadas em prevenção de acidentes e doenças ocupacionais. Elas não tratam de posse, exercício, afastamentos, vantagens, indenizações, ajudas de custo, férias, licenças ou quaisquer outros aspectos da “relação jurídico-estatutária” dos servidores públicos.
Ele ainda lembrou que a jurisprudência do STF é favorável à competência da Justiça do Trabalho para julgar ações sobre o descumprimento de normas de saúde, higiene e segurança de trabalho. Isso está estabelecido na Súmula 736.
A Corte entende que tais processos não interferem nos direitos individuais associados à relação jurídica entre servidores e administração pública. Dino ainda ressaltou que isso evita decisões contraditórias sobre pessoas que trabalham em condições idênticas de saúde, higiene e segurança.
Divergência
Ao abrir divergência, Gilmar explicou que as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho fazem parte da “relação jurídico-administrativa” entre o poder público e seus servidores. Por isso, devem ser aplicadas as regras do regime estatutário dos agentes públicos sobre tais temas, pois são mais específicas que as NRs.
De acordo com ele, a aplicação exata de muitas NRs exige “verdadeira readequação das estruturas físicas disponibilizadas pelos entes federados a seus agentes”. Isso gera “múltiplas dificuldades e incongruências”.
A partir desta premissa, o ministro concluiu que a Justiça comum deve julgar processos sobre o tema, mesmo se empregados públicos celetistas estiverem envolvidos — pois o que importa é a “índole administrativa” da questão discutida. Alexandre o acompanhou.
Fonte: Consultor Jurídico